
Fronteira Norte (Brasil) + Persona Non Grata (Portugal)
TERRA FIRMA
Adérito, um octogenário ex-combatente do ultramar, mora com o seu cão Sócrates num pacato bairro na periferia da cidade.
Sinopse
Adérito, um octogenário ex-combatente do ultramar, mora com o seu cão Sócrates num pacato bairro na periferia da cidade. Viúvo e pai de dois filhos que vê cada vez menos, Adérito vai levando uma vida regrada entre a ida ao mini-mercado, o café depois do almoço ou o jogo de sueca aos sábados, sempre acompanhado pelo cão Sócrates.
Com a partida inesperada do seu vizinho e melhor amigo que não resiste a um capricho do coração, novos vizinhos instalam-se na porta ao lado, um jovem casal com um menino de oito. Uma família de negros.
Quando os escuta de ouvido colado na parede, nota que o jeito de falar é diferente, mas são pretos e ouvem música alto, tomam banho na ducha no quintal e o garoto não deixa o cão em paz.
A vida no bairro está diferente, partiram-lhe o vidro do carro na noite passada e na semana anterior foi o café que teve a porta arrombada.
Adérito sai cada vez menos, já não há noitada de cartas nem adidas ao café depois do almoço. Instala uma câmera na entrada de casa e passa a observar a rua pelo ecrã do computador.
Isolado, Adérito está determinado em não ser mais uma vítima.

Nota do diretor
O meu pai foi enviado para a guerra colonial com 24 anos de idade. Já tinha casado e a minha irmã mais velha já era nascida, mas foi enviado mesmo assim, para a linha da frente em Angola onde combateu durante 3 anos.
Quando eu era criança, lembro que havia um armário, fechado à chave, onde eram guardados diversos alimentos - farinha, açúcar, enlatados.
O meu pai, era o único que tinha a chave. Apesar de nunca termos passado privações alimentares, fomos educados para nada desperdiçar, não sermos aventureiros e estarmos preparados para todas as eventualidades. Ainda hoje, passados quase 60 anos, o meu pai salta do sofá quando começam os fogos de artifício.
O meu pai é uma pessoa afável, conta piadas e os meus amigos sempre se referem ao meu pai como "um cara legal", apesar de ser incapaz de demonstrar afeto com os que lhe são mais próximos, esteve presente nos momentos mais difíceis, ajuda o amigo e é uma pessoa leal. Vive acompanhado do seu cão, que não larga um minuto e que vai sendo motivo de conversa com os vizinhos enquanto o passeia. Um dia, estávamos sentados no café do bairro e um menino, negro, de uns 8 anos de idade, começou a brincar com o cão, como aliás, todas as crianças costumam fazer, sendo que a reação do meu pai costuma ser de contentamento, dizendo-lhes o nome do animal e contando uma peripécia ou outra do cão.
Naquele dia em que o garoto negro agarrou o cão, o meu pai puxou a trela, não olhou um segundo para o menino, não lhe dirigiu uma palavra, só manteve a trela tensa, puxando o cão para mais próximo de si, enquanto o garoto, inconsciente do mal-estar do meu pai, continuava a brincar energicamente com o animal.
Nesse momento, percebi como abordar este tema que me inquietava e falar sobre o racismo disfarçado na sociedade portuguesa, o passado colonial, as feridas que estão por sarar.
Quero falar do ponto de vista de quem sente o ódio, numa tentativa de expor o processo de radicalização e quem sabe, através da observação, sem moral, tomarmos consciência deste mal que está impregnado e encontrarmos formas de o expurgar.
Sinto que a sociedade portuguesa está a radicalizar-se. O país que é famoso pelos seus "brandos costumes", têm revelado um lado mais sombrio que julgávamos estar para trás. As ondas populistas que têm na última década proliferado um pouco por todo o "mundo ocidental democrático" banharam finalmente Portugal, tendo um jovem partido de extrema-direita conservador e xenófobo, conseguido se tornar a terceira força no parlamento em apenas 5 anos. Onde estavam estas pessoas o tempo todo?
Como ressoou este discurso contra "o outro" na nossa sociedade?
Antonio Ferreira
filmografia
- longas -
2025 ARMÉNIO (em produção)
2023 A BELA AMÉRICA | Portugal/Brasil
2018 PEDRO E INÊS | Portugal/França/Brasil
2010 EMBARGO | Portugal/Espanha/Brasil
2002 ESQUECE TUDO O QUE TE DISSE |
Portugal/França
- curtas -
2012 POSFÁCIO NAS CONFECÇÕES
CANHAO | Portugal
2007 DEUS NÃO QUIS | Portugal
2000 RESPIRAR DEBAIXO D'ÁGUA|
Portugal/Alemanha
